16 de abril de 2011

Contando os dias



Salmo 90, Lamentações 3, Mateus 6:25-32

“Ensina-me a contar os meus dias para que alcance coração sábio” Salmo 90:12

Hoje meditei sobre esta frase porque tenho sentido angústia no meu coração ao olhar para as favelas, para os motoqueiros que passam e quebram os retrovisores dos carros e saem impunes. Sinto angústia porque escuto nos jornais e revistas dos aumentos dos impostos, do roubo dos colarinhos brancos que nunca são pegos e roubam milhões. As obras não ficarão prontas até a copa ou até às olimpíadas. Ouço sobre terremotos lá, tráfico aqui, guerras acolá.  A bolsa fechou em baixa mais uma vez. Os impostos subiram. Minha irmã ficou doente lá longe. Minha cabeça dói. Não sei o que farei da minha vida nos próximos meses. Meu coração acelera. Meu estômago dói. Onde está a esperança?

Ao ler os textos encontrei alguma. Davi no salmo 90 fala de como Deus é eterno e como os nossos dias passam rápido. Muitos deles repletos de dias ruins. Perseguição, angústia, desespero. O mundo está ruim ele diz. O Senhor despeja a sua ira. E ainda tenho que lidar comigo mesmo que sou cheio de pecados. Quem pode sobreviver a isso? Então me ajuda a contar os meus dias! Dá-me de manhã alegria para sobreviver ao dia!

Em Lamentaçoes 3 Jeremias diz várias coisas semelhantes: Deus me abandonou, já não aguento mais tanta aflição. Lembro de tanta coisa ruim que aconteceu e está acontecendo e o meu coração desfalece. CONTUDO, lembro-me também daquilo que pode me dar esperança: do amor de Deus e de suas misericórdias! Porque se não fosse isso, eu e todo mundo já não cá estariam. Afinal, quase tudo de ruim que acontece é devido ao pecado e às más escolhas da humanidade! Portanto, seja sobre nós Senhor, a tua misericórdia e  a tua bondade!
Em Mateus 6:25-32 Jesus diz que não devemos nos preocupar com o amanhã porque já basta o tanto de coisa ruim que aconteceu ontem, no passado, e acontece hoje. Assim,  coração algum pode suportar. De fato cada um deve viver um dia de cada vez porque com fé Nele e buscando o seu reino de justiça, paz e amor, teremos o necessário para cada dia.

Como Davi eu clamo então: ensina-me a contar os meus dias! Ou seja, ensina-me a viver um dia de cada vez porque a visão do futuro me assusta quando tudo parece tão sombrio e incerto. Como Jeremias eu não quero pensar no futuro assustador nem no passado ou presente amargos, quero pensar em tudo que há de bom para conseguir prosseguir.

E como meu doce e amado Jesus me disse, quero buscar a Ele. Tão somente a Ele e os seus bons planos pra mim e pra todo mundo mais.

Ensina-me a viver um dia de cada vez. A aproveitar as oportunidades de ser boa pra alguém. De errar, reconhecer, arrepender e continuar. De chorar, de rir, de encontrar e desencontrar. De fazer nada e de fazer muito. De ser quem sou hoje e que muito provavelmente não serei amanhã. De beijar e gritar. De ficar na cama. De .... tantas e tantas possibilidades.
Um dia de cada vez. Eu tive o ontem e agora a pouco começou um novo hoje. Terminou e eu consegui sobreviver. Ele me deu esperança. Alegrou meu coração. Começou um novo hoje e é só nele que irei pensar. Ou tentar pensar.

Ensina-me Senhor, a contar os meus dias para que eu alcance um coração sábio!

10 de abril de 2011

1 de abril de 2011

Tipos de Português



    
     Quando chegamos em Moçambique demorou um pouco para que tivéssemos certeza de que nós e os moçambicanos falávamos a mesma língua - o português.
     Isso porque além do sotaque ser completamente diferente (o português deles é mais próximo ao de Portugal) várias palavras e frases não são comuns para nós brasileiros. Depois de uns dois dias já estávamos à vontade mas era divertido aprender um novo jeito de falar português dia a dia. E eles também riam-se de nós, ou não nos compreendiam quando falávamos diversas coisas. Ou seja, o efeito do português diferente ou não nativo é vice e versa.
      A maioria das palavras em português que eles falam vêm de Portugal mas muitas outras são "moçambicanizadas", com influência das aproximadamente 32 línguas africanas faladas em todo o país. Na província (estado) onde vivíamos são faladas predominantemente três línguas africanas: bitonga, xitswa e shope. Eu aprendi um pouquinho de xitswa, que é o dialeto que os outros dois grupos entendem bem, mas não o suficiente para uma conversa de mais de dois minutos;-) Eu sei cumprimentar e dizer algumas frases e consigo entender mais do que falo. Já é alguma coisa...
     Aqui vão algumas palavras e frases típicas do vocabulário moçambicano (Não consigo lembrar de todas agora, mas quando eu lembrar de outras, faço outro post):



Agrafador e agrafo: grampeador e grampo
Alcatifa: tapete/carpete
Aleijar: machucar
Banhar: tomar banho
Bebé: bebê
Biberon: mamadeira
Bicha: fila (como fila de banco e etc.)
Camião: caminhão
Casa de banho: banheiro, toalete
Chapa: Vans tipo Toyota Yace utilizadas no transporte coletivo (superlotadas quase sempre) - Seriam os circulares amarelinhos em B.H!
Comboio: trem
Cova: buraco qualquer
De borla: grátis
Deitar (fora): jogar, descartar algo fora, no lixo.
É giro/nice: é bonito, legal
Ecran: tela da tv ou computador
Engomar: passar roupa
Está avariado: está estragado - Detalhe que temos avariado no nosso dicionário como sinônimo mas se nós falávamos: - isto está estragado, recebíamos: - "desculpa, não percebi" como resposta.
Fixe: legal, divertido
Fotocópia e fotocopiar: xerox e tirar xerox
Fumador: fumante
Gajo: homem, sujeito
Jonny: "cara", "velho", "meu" - gíria usada pelos jovens
Machimbombo ou Auto-carro: ônibus 
Mafioso: mentiroso, “caloteiro”
Maria-café: centopéia
Mata-bicho ou pequeno almoço (portugal): Café da manhã: Verbo: matabichar
Mola: grana, dinheiro - gíria
Não percebi - resposta dada quando alguém fala alguma coisa que eles não entenderam. É como o nosso "o quê"? Ou "não entendi".
Peão: transeunte, pedestre
Peiúgas: meias
Penso: curativo
Rotunda: rotatória
Sandes: Sanduíche
Sinal: placa, aviso
Sítio: local, lugar
Sumo: suco
Tchilar: "tomar umas", "encher a cara" - gíria usada pelos jovens
Tchovar: empurrar
Telemóvel: celular
Tosta: Torrada/misto
Turismo: carro passeio
Xávena: xícara

     Escrevendo estas palavras e frases, recordei-me de uma história muito engraçada que ocorreu durante nossa primeira semana em Moçambique.
     Estávamos eu, Eduardo, Maísa e nosso amigo moçambicano Armindo na Migração1 quando vimos uma placa com o seguinte: "Favor não deitar beatas no chão". Começamos a tentar descobrir o significado desta frase enquanto eu caí na gargalhada ao imaginar uma freira sendo abruptamente lançada ao chão por um fanático qualquer. Finalmente, após sucessivas tentativas sem sucesso e muito riso, Armindo veio socorrer: - beatas são aquelas pontas dos cigarros que contém o filtro e que são comumente jogadas no chão. Ahhhh, o toquinho do cigarro, você quer dizer? Perguntei eu. Mas e deitar? Deitar significa jogar fora. Ah bom! Mistério resolvido. 

1: Departamento de assuntos estrangeiros que trata de documentos, passaportes e etc. No Brasil tratamos destes assuntos na Polícia Federal.

28 de março de 2011

Dia de Sol

     Uma moradora de Memphis me disse que aqui não há primavera, passa-se do inverno diretamente para o verão. Segunda-feira da semana passada foi um dia que poderia servir para comprovar tal hipótese. O sol brilhou forte e a temperatura estava entre os 26 a 30 graus para a minha extrema felicidade visto que já não agüentava mais tanto frio (triste é que esta semana o frio voltou - temperatura entre 6-12 ºC).
    O Dú não tinha cirurgias, eu também estava trocando de tarefas e não havia nada certo pra aquele dia, então, tiramos o dia para passear. Algumas pessoas nos recomendaram o zoológico assim, decidimos conferir a dica.
     E... valeu a pena! O zoológico é lindo e repleto de espécies do mundo todo. Claro que eu sou suspeita para falar de zoológicos porque embora eu esteja migrando para a área da saúde, ainda sou e sempre serei uma zoóloga e apaixonada por bichos em geral. Mas mesmo para alguém que não é da área, o lugar impressiona. Alguns destaques são: as leoas marinhas que são treinadas, o casal de ursos panda, os dragões de Comodo, exemplares de répteis da África, Austrália, América do Sul, casal de ursos polar e etc. 
     Também havia boa quantidade de primatas e felinos. Há uma área escura para animais de hábito noturno ou que usualmente vivem em área de pouca luminosidade como os morcegos, tamanduás, toupeiras, Aadvark e outros.  A ornamentação é bem legal e temática: Tem tema da China, da África, de fazenda e etc.
     Se você for um dia passar por Memphis, I highly recommend















  * Como eu quase sempre lembro de uma música relacionada a tudo que faço, ir ao zoológico me fez lembrar de uma canção que papai e mamãe colocavam pra gente ouvir: O som dos bichosdo grupo MPB4.

20 de março de 2011

Capulana


     
  Recebi um email ontem de uma amiga pedindo para continuar postando sobre Moçambique. Eu disse que continuaria postando e vou, mas primeiro tenho que lutar contra a indisciplina nas postagens e depois tenho que vencer os meus sentimentos de saudade e tristeza (devido à saudade) quando penso em Moçambique. Hoje, dois meses e meio após ter saído de lá, bateu uma saudade imensa. Então, para relembrar bons momentos, resolvi atender ao pedido da Rebeca e vou falar agora sobre a capulana.
     Capulana é um tecido geralmente de algodão de um metro de largura por 1,80 metro de comprimento aproximadamente. É usada comumente em todo o continente africano, embora em cada país tenha um nome diferente. Aqui em Moçambique este pano multi-uso que passo a descrever chama-se capulana.
     O uso mais comum pelas mulheres é como saia, apenas amarrada ou enrolada na cintura, sempre trazendo algo por baixo: saia, short, calça e etc. Várias pessoas também mandam as capulanas para a "modista" ou alfaiate a fim de  costurarem conjuntos, vestidos, saias, blusas e etc. Muito comuns também são os lenços de cabeça feitos de capulana.
     Eu adoro as estampas das capulanas! Há de todos os tipos e pra todos os gostos: muito coloridas, marrons, com desenhos, temáticas (por exemplo com o retrato do papa, bandeira do partido Frelimo e etc), com listras e por aí vai. Os homens também utilizam calças e blusas feitas com capulana.
     Embora bastante utilizadas como vestuário, as capulanas não são usadas somente com este fim. São como Bombril - mil e uma utilidades. Servem pra carregar o bebê, pra fazer compras e depois enrolá-las com a capulana como trouxa, servem como esteira pra deitar no chão, como coberta no tempo de um friozinho, como toalha de mesa, cortina e etc.
     As mulheres em Moçambique são ensinadas desde novas a sempre carregarem uma capulana extra na bolsa (ou pasta como dizem por aqui) para caso de ocorrer algum imprevisto.
     Os custos variam de acordo com o tipo do tecido. Os de algodão puro são os mais caros. De modo geral, uma capulana custa entre 45 a 180 meticais (2,50 a 10 reais) cada. Em uma pesquisa de boca a boca fui informada que a maioria delas é fabricada na Índia. Uma pessoa me disse que antes da guerra havia uma fábrica em Maputo que produzia boas capulanas mas depois da guerra esta fechou e nunca mais reabriu. Fica a dúvida se já há fábricas em Moçambique e se há outros países exportadores de capulana como a Índia. Quem souber pode me informar melhor.
     Eu tenho algumas capulanas. Já fiz saias envelopes, um conjunto de saia e blusa, um conjunto de calça e blusa, utilizo como saída de praia e como capa pra cortar a cabelo do Dú! Eu tentei usar somente amarrada na cintura, mas fica prendendo as minhas pernas na hora de andar e também dá calor usar enrolada por cima de outra saia ou short! Eu usava assim só de vez em quando.
     Enfim, o que eu pude perceber é que a capulana é parte do cotidiano de todo Moçambicano e de muitos milhares de africanos. Por isso: viva as capulanas!

Vários modelos de conjuntos feitos com capulana:









O jeito mais comum de usar: capulana enrolada em volta da cintura com blusa e lenço.



Como turbante

Detalhe da renda

Capulana para carregar bebês


Como trouxa para carregar diversos itens na cabeça:


Como camisa:

Eu com capulana enrolada na cintura ...

... e com conjuntos de saia e blusa e calça e blusa:


17 de março de 2011

Esperança





Os dias em Memphis têm sido bons.
Esta é a nossa segunda semana e estou voluntariando no hospital metodista universitário.
Primeiro, foi o departamento de cuidados extensivos - para pessoas que ficam no hospital por mais tempo. Esta semana estou na emergência.
Meu trabalho é muito simples: pegar isto ou aquilo, orientar o paciente e dar informações, ajudar a alimentar aqueles que não conseguem sozinhos e etc.
Nunca gostei muito de ambiente hospitalar mas a experiência é válida. 

Outro dia estava lendo sobre a importância de doar de si mesmo para as pessoas mais do que doar coisas.  

Ainda sou nova, não saí dos vinte... ainda. Mas penso que se há um alvo que vou perseguir é o de conectar-me mais às pessoas. Investir em relacionamentos mais do que investir em carreira, sucesso, dinheiro. E quando digo relacionamentos não quero dizer que pretendo ter vários amigos e sim que vou cultivar aqueles que tenho e manter-me aberta para os novos.  No caminho vou tentar aprender o máximo possível com cada pessoa que encontro, sejam os encontros breves ou longos. Afinal, a vida é feita da soma dos momentos que vivemos e pequenos instantes podem ter grande impacto sobre nós. Imagino sobre aqueles que tiveram a oportunidade de ter um encontro marcante com Jesus. Como a vida deles foi transformada por pequenos momentos! E por outro lado, os discípulos que estavam sempre com Jesus, devido a rotina do dia a dia, podem ter passado a menosprezar aqueles dias tão especiais.

Se somos feitos à imagem e semelhança de Deus, e eu creio que somos, então cada um carrega em si uma parte do sagrado. O enigma da vida é saber identificar esta parte em cada indivíduo e focalizar nela. Praticando a misericórdia, o perdão, orando pelos inimigos, sendo vulnerável a dor, doando tempo e recursos.

Há quem disse que alguém só pode encontrar-se a si mesmo no encontro com o outro. Em outras palavras, o próximo é o nosso espelho. Portanto, se perdemos o contato com o próximo deixamos de conhecer o nosso íntimo e vida torna-se vazia.

Vi hoje no noticiário como as pessoas estão respondendo à crise no Japão. Fiquei admirada com a organização: as pessoas mesmo famintas estavam calmamente aguardando na fila pela distribuição dos alimentos, respeitando uns aos outros. Não houve saques às lojas. Nos abrigos, vários desabrigados voluntariaramente estão cozinhando para os outros. 

Fiquei pensando que uma tragédia pode trazer tanto o pior quanto o melhor das pessoas. Mas como traz esperança ver a solidariedade e amor reinando sobre o egoísmo e a catástrofe! A maior parte das  imagens só mostra destruição, perigo de contaminação nuclear, morte. Mas quando os pequenos e grandes gestos de bondade são enfatizados, a esperança pode nascer!

"Melhor é serem dois do que um". Que possamos aprender a viver juntos neste mundo carente de amor!

11 de março de 2011

Retorno


    

    Após meses sem escrever aqui no blog, resolvi escrever algumas palavras hoje. Não que eu tenha ficado sem assunto para escrever. Muito pelo contrário, há tanto passando pela minha vida e pela minha cabeça que você ficaria louco(a) se estivesse dentro dela, como eu mesma às vezes luto para manter a sanidade em meio a um turbilhão de idéias, sentimentos, memórias...
     Parti de Moçambique no dia 08 de Janeiro e desde então, venho viajando por lugares que  nunca imaginei conhecer, encontrei pessoas maravilhosas e diferentes pelo caminho e reencontrei outras que há tempos não via.
     Falta aproximadamente um mês para eu voltar pra casa de novo. E como eu estou ansiosa por voltar pra casa!
     Nunca vou conseguir descrever propriamente como foi viver no continente africano durante três anos. Foi maravilhoso e aterrorizador. Foi quebrantador e excitante. Foi simples e profundo. Uma experiência que verdadeiramente transformou a minha vida.
    O futuro a Deus pertence. Claro que tenho medo do desconhecido. Há tantas opções e na verdade podem haver poucas... De uma coisa tenho certeza: vou lutar dia a dia pra viver uma vida de serviço, de luta pela justiça e pela simplicidade. De encontrar o divino em tudo aquilo que me cerca. Ah, então você é religiosa! Você pode pensar... De fato não. Estou correndo de religiões, de pressupostos, de religiosidade, de rótulos. E estou tentando sinceramente correr de braços abertos ao encontro de Jesus e de seu amor. E estou em busca de amar o próximo por mais louco, doloroso e desafiador que possa ser.
     Não sei o que me espera no futuro mas tenho um alvo e pra ele eu corro com perseverança, sabendo que um tesouro incorruptível espera por mim.